#34 POR QUE NINGUÉM OUVE OS AGRICULTORES?

#34 POR QUE NINGUÉM OUVE OS AGRICULTORES?

Este divórcio da Agricultura com os portugueses não é novo, nem começou agora. Mas a falta de prioridade política que lhe é atribuída muito contribui para este alheamento: é quem está no púlpito que dá a direção.

Há vários meses que os agricultores saem para a rua em protesto contra as políticas do Governo para o setor. A 2 de março, nas Caldas da Rainha, mais de 400 tratores e 2000 produtores marcharam nas ruas para mostrar que “não são os grandes responsáveis pelo aumento dos preços dos alimentos”, que, diz a CAP, nem sequer ainda refletem a subida dos custos. Antes, a 9 de fevereiro, uma fila de cinco quilómetros pintou as ruas de Portalegre juntando mais de 60 associações do setor. Mirandela, Castelo Branco e Beja também já foram palco de manifestações.

As vozes críticas ao estado a que chegámos duram há muito e intensificaram-se, de Norte a Sul do país. Mas, de alguma forma, os protestos parecem não estar a provocar na opinião pública o efeito desejado, nem a colocar sob os holofotes os problemas do setor. Entre o aumento escandaloso das rendas da habitação, os abusos a menores na Igreja, as novelas das redes sociais e as polémicas sobre galas na televisão, parece não haver espaço para ouvir o que os agricultores têm para dizer.

O desabafo feito no Facebook por uma das jornalistas que mais sabe e escreve sobre agricultura em Portugal também reflete um sentimento que parece rodear esta área de atividade: há uma espécie de névoa a pairar sobre a agricultura, separando-a dos restantes setores económicos, como se não fosse importante, determinante, fundamental, essencial.  A Teresa Silveira (perdoa-me o atrevimento Teresa!) dizia: “Sim. Continuamos a falar e a escrever sobre Agricultura. Pode parecer estranho para alguns, bizarro para outros, mas, queiramos ou não, esta é a mais importante atividade económica do país e do mundo, que nos garante diariamente os alimentos à mesa e sem a qual, acreditem, absolutamente mais nada funciona. Tão-só.” Este desabafo mostra bem a frustração que se sente, não só quando se leva o trator para a rua, mas também quando se produz informação relevante e se partilham as histórias de quem nos põe a comida no prato. É quase como estar numa sala a falar e ninguém nos dar atenção. Por que ninguém ouve os agricultores?

Este divórcio da Agricultura com os portugueses não é novo, nem começou agora. Mas a falta de prioridade política que lhe é atribuída muito contribui para este alheamento: é quem está no púlpito que dá a direção. Quando não se valoriza e prioriza, esquece-se. Não há registo de um governo que tenha colocado a agricultura num lugar de destaque da sua orgânica, encarando-a como atividade económica com potencial de crescimento. Mesmo em períodos em que a agricultura ganhou prioridade, com foco na internacionalização, por exemplo, o entusiasmo não chegou ao lugar cimeiro da estrutura governativa, ou seja, ao primeiro-ministro. 

O desmembramento mais recente do Ministério da Agricultura, com perda de áreas fundamentais, enfraqueceu ainda mais a posição do setor e contribuiu para corroborar a perceção que o consumidor tem: de que a agricultura não tem nada a ver com economia, com ambiente ou com floresta e resume-se à distribuição de apoios. 

Mas a responsabilidade também é dos produtores, pois tardam em colocar o consumidor no centro da sua gestão. É preciso falar diretamente com quem, no final da cadeia, compra os alimentos. E mostrar de onde vêm, como são produzidos, que percurso fazem até às prateleiras. Os agricultores permitiram que fossem outros a falar por eles: não foram eles que colocaram o tema da sustentabilidade em cima da mesa, nem o da importância de consumir nacional, sazonal ou de respeitar os ritmos da terra e do clima. 

Talvez fosse tempo de uma reflexão séria e de procurar respostas para este “porquê”. Não adianta colocar as culpas apenas num lado da equação. É tempo de construir em conjunto um novo paradigma que eleve a agricultura ao papel que, efetivamente, merece. É tempo de trabalhar a reputação deste setor e de dar valor à profissão de agricultor do ponto de vista da comunicação. Há tudo por fazer.

Ana Rute Silva
Partner da Agência Evaristo
anarute@agenciaevaristo.pt

Comments are closed.

Top