#4 O QUE ANDAMOS A DIZER DOS AGRICULTORES?
Desenhámos um estereótipo para identificar os agricultores e nunca mais fomos capazes de descolar dele.
Os níveis de confiança dos agricultores andam em baixo por estes dias. O mais recente índice publicado pela Copa-Cogeca, organização que representa 22 milhões de produtores da União Europeia, dá conta disso mesmo e desceu no outono de 2019 em comparação com o mesmo período de 2018 (podem consultá-lo aqui). O principal motivo para este resultado não podia ser mais acutilante: a forma negativa como os agricultores estão a ser retratados pela opinião pública e pelos media.
Podia dar aqui uma lista de razões que conduziram ao estado a que chegámos e mencionar o argumento ambiental que motiva tantas discussões apaixonadas. Talvez seja tema para um próximo artigo. Agora, interessa-me mais deixar algumas reflexões que passam, sobretudo, por mostrar que criámos um estereótipo para identificar os agricultores e nunca mais fomos capazes de descolar dele.
Há uns anos, quando pedi a um colega para desenhar um agricultor, ele prontamente fez aquilo em que estão a pensar: um homem, barrigudo, de barba, jardineiras e uma forquilha. Não sei onde é que nasceu isto das jardineiras, mas nunca vi o meu avô (que foi agricultor) com umas vestidas. Também não era barrigudo.
Não é raro uma campanha que envolva agricultores insistir no estereótipo. Homens barrigudos, com um discurso pouco elaborado, barba por fazer, pessoas simples caricaturadas para provocar gargalhadas. Uma profissão essencial passou a ser quase sempre caracterizada com uma personagem cómica, de pouca importância.
Faço um mea culpa. Eu também me ri quando, nos meus tempos de jornalismo quis entrevistar um produtor e ele me pediu 5 minutos porque tinha de desligar o trator. Era só um dia normal para ele. Para mim, que via o sol da janela da redação, era uma imagem tão distante que não contive a gargalhada, como se fosse uma situação insólita. Também vi olhos arregalados quando quis escrever sobre um ativo tão fulcral nas nossas cozinhas como as courgettes. O preço estava a disparar e eu queria perceber porquê. Não devia ser nada de especial, mas o tema também foi considerado insólito.
No campo, como na cidade, há de tudo. Há pequenos que produzem em pequena escala para abastecer o comércio local. Há grandes que gerem negócios de milhões e exportam para todo o mundo.
O que falta na cidade é campo. É vida real. Os alimentos não aparecem por magia no supermercado ou no mercado mais próximo. São o resultado do trabalho de milhares de pessoas, de processos complexos que exigem conhecimento, métricas, estatísticas, ciência e experiência.
O campo também se fechou nos seus muros e não quis mostrar o tanto que cresceu nas últimas décadas. Mais preocupado em vender e escoar o produto do que em estabelecer relação com quem – no final do dia – o vai consumir. Muitos pequenos produtores já estão a abrir as portas aos clientes e mostrar o que fazem. Os grandes também precisam de dar esse passo. Porque são eles que abastecem a grande distribuição e garantem comida a preços acessíveis e em quantidade suficiente para nos alimentar. Somos muitos. E seremos ainda mais.
Não chegou o tempo de reduzir esta distância? De calçar umas botas e não ter medo de as enterrar na terra?
Ana Rute Silva
anarute@agenciaevaristo.pt
(artigo publicado na edição de março da revista Frutas, Legumes e Flores)
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